Naquela manhã de segunda, Henrique chegara àquela pensão na
Avenida W3 Sul indicado por um amigo da Faculdade Dulcina, o Dodô. Estava
hospedado no apartamento da namorada dele, a Tereza, enquanto não achava um lugar definitivo para
morar. O Dodô já morara ali antes, e disse que era bem agradável.
A
Faculdade Dulcina de Moraes fora fundada por uma famosa atriz homônima, quando se mudou do Rio para Brasília. A faculdade encontrava-se no conjunto de prédios chamado Conic, no Setor de Diversões Sul. Na
Dulcina e no Instituto de Artes da UnB se concentravam os futuros atores do
Distrito Federal.
Sempre
fora o sonho de Henrique ser ator.
No começo de sua adolescência, sua
mãe ficara muito doente. Sabendo que estava próxima da morte, ela, sabendo da
vontade do filho, disse que apoiaria seu desejo de entrar nessa carreira.
Por isso, desde que a mãe
falecera, Henrique começara a se dedicar
ao que acreditava ser o seu dom. Na adolescência, passou a fazer parte de um
grupo de teatro amador na escola em Luziânia, onde nascera. E chegou a ganhar
um prêmio de revelação juvenil em um festival de teatro em Brasília.
Depois do prêmio, o pai passou também a
apoiá-lo. Aquele senhor era dono de um pequeno comércio de
produtos agrícolas. E se não era rico, ao menos tinha condições financeiras de
pagar a faculdade do filho único, e de mantê-lo em uma cidade com custo de vida
mais alto.
Henrique, além de talentoso, tinha um ar de
galã. Era alto, no seu um metro e noventa, muito jovem, com pouco mais de vinte
anos. Tinha uma cabeleira escura espessa e ondulada, e olhos cor-de-mel amendoados. O sorriso, este cartão de
visitas, era bonito, com dentes grandes e fortes, em um rosto magro e anguloso
na medida certa. A pele negra era firme e sedosa, sem sinais de manchas.
Henrique,
tanto de talento quanto de beleza, possuía os dois.
No
entanto, como costuma acontecer com os iniciantes, faltava a ele a clareza e
confiança nessas qualidades. A juventude, inexperiente, às vezes caminha de mãos
dadas com uma dose de falta de segurança, que talvez somente um caminho
trilhado por anos possa proporcionar.
Por
isso, foi com certa timidez que tocou a campainha da porta da pensão. Atendeu-o
uma senhora, na casa dos cinquenta anos, com um vestido bonito. Estava de
salto, muito elegante e perfumada.
Ela
era muito sorridente. Tinha a pele muito branca, os cabelos bem tratados, em
tom alourado, e perguntou a ele com uma voz calma se era o Henrique.
Ele
confirmou que era o rapaz que ela esperava.
A
senhora assentiu com a cabeça, e pediu a ele que entrasse.
A
casa, contrastando com a aparente simpatia e elegância da senhora, não era necessariamente
aconchegante. Na verdade, parecia parada no tempo.
Alguns anos antes, e aqueles sofás
seriam a última moda. Mas há muito haviam perdido suas cores originais, e no
lugar de um vermelho escarlate, restava um salmão quase rosado, resultado de
anos de exposição ao sol.
Algumas
estantes de vidro, com estátuas greco-romanas, completavam o ar decadente: um busto de Júlio César, a deusa
da justiça segurando displicente a balança. Por fim, em uma escultura ao lado
da porta de entrada, Leda olhava, sem interesse, para Zeus disfarçado de cisne
a seus pés.
Uma TV de tubo e uma vitrola
antiga nos nichos do armário, feito de madeira compensada e já gasta, completavam
o ar cansado daquele lugar.
Apesar disso, o ambiente era limpo
e organizado, e o chão de madeira brilhava que dava gosto.
A senhora, com muito bom humor,
chamou Carlos para sentar-se com ela dentro da casa. Atravessaram a sala e
dirigiram-se à entrada da cozinha. Ao lado dela, via-se uma escada escura, que
devia dar para os quartos mais acima.
A senhora entrou na cozinha primeiro,
e convidou Henrique a sentar-se à mesa.
Ela abriu a geladeira, tirando de
lá um gostoso bolo de chocolate e uma jarra de suco de acerola.
Enquanto ela procurava as louças
para pôr a mesa, Henrique notava ao lado uma janela e uma passagem para um
pequeno jardim de inverno. Parecia abandonado: o chão estava sujo de terra, e
as plantas cresciam de forma desorganizada. Algumas delas estavam secas, como
se alguém tivesse se esquecido de aguá-las.
- É meu irmão quem cuida do
jardim. – disse a senhora, como que se desculpando, ao perceber o olhar de
Henrique – ele é uma boa pessoa, mas um pouco desleixado.
Enquanto Henrique saboreava o
pedaço de bolo – delicioso – a senhora revelou sua história.
Seu nome era Odete, e moravam ali
só ela e seu irmão. Enquanto ela administrava a pensão, o irmão trabalhava como
artesão na Feira da Torre de TV. Não tinha muito estudo, coitado.
Já ela trabalhara, até se
aposentar, como secretária em um escritório de advocacia durante muitos anos.
Hoje era viúva, e o marido, tenente
reformado do Exército, deixara uma pensão para ela.
- Você quer mais um pedaço de
bolo?
- Não, não precisa.
- Só mais um! Aposto que você não
tomou café hoje.
Henrique tentou disfarçar sua
expressão, mas era verdade. Não havia tomado café, e começara a sentir fome. Não
à toa o bolo estava tão bom. A tal Dona Odete havia acertado na mosca.
Como que adivinhando o pensamento
de Henrique, ela colocou um pedaço caprichado no prato do rapaz. E encheu o
copo de suco dele quase até a borda.
- E você, o que faz da vida, meu
filho?
- Estudo na faculdade. E consegui
trabalho em uma loja de perfumes, em um shopping aqui perto. Esqueci o nome.
- O Pátio Brasil?
- Isso mesmo.
- Você não é daqui, né?
- Sou de Luziânia.
- Eu ia dizer que você era goiano.
- O sotaque, né?
- É. E onde você estuda? Na UnB?
- Não, eu estudo na Faculdade
Dulcina. Quero ser ator.
Mas a conversa foi interrompida
por pisadas na escada, a madeira antiga rangendo com o peso. E logo um senhor entrou
na cozinha. Tinha cabelos longos e brancos, a barba desgrenhada, com a pele
branca e flácida, sem pelos. Estava somente de bermuda, e descalço. E cheirava
a cigarro e a bebida.
Olhou Henrique de cima a baixo,
com ar de desaprovação. Por fim olhou para a irmã, sem dizer nada. Abriu a
porta da geladeira e tirou de lá uma lata de cerveja.
- A essa hora?... – reprovou Dona Odete.
Mas o senhor nada disse. Apenas
saiu da cozinha com a cerveja na mão, sem voltar a olhar para eles.
- É o meu irmão, o Antenor, mas a
gente só chama ele de Totonho. Hoje é o dia de ele descansar. Ele é assim mesmo, calado. Mas é uma boa pessoa.
Depois do café-da-manhã, Dona Odete
levou Henrique para conhecer um dos quartos. Era espaçoso, com um bom armário
embutido, e com vista para os fundos.
Haviam duas camas.
Da janela, Henrique podia ver
algumas casas em frente, e à direita, a W3, já com bastante trânsito.
- Era o quarto meu e do meu marido
– acrescentou ela – mas depois da reforma eu me mudei para um quartinho lá de
cima. Você vai dividir aqui com outro rapaz, o Erismar. Tem algum problema pra
você?
- Não, está ótimo.
- Então vamos à cozinha acertar as
contas? Eu peço pagamento adiantado, tá bom?
- Pra mim está perfeito.
Na cozinha, Henrique preencheu um
cheque assinado pelo pai, e deixou-o com Dona Odete. Depois depositaria o valor
correspondente na conta dele, enquanto não abria a sua própria.
Na saída, o tal Totonho estava
sentado no sofá desgastado. Henrique tentou não olhar para ele, mas foi
inevitável.
- Acertou com a velha? – disse de
repente Totonho.
Henrique virou-se completamente
para o senhor, surpreso.
- Você sabe que aqui é perigoso,
né? É cheio de prostituta à noite. Aqui só tem o que não presta. – disse de
repente Totonho.
O rapaz ficou atônito. O Dodô não o havia avisado sobre isso.
Dona Odete veio acudir Henrique.
- Para de assustar o rapaz,
Totonho. Não liga pra ele, não, viu moço? Parece que não tem o que fazer. Olha,
aqui na W3 tem umas mulheres da vida, mesmo. Mas é só de noite, e lá na avenida: não
incomodam ninguém. Tenho dó dessas moças... Mas fazer o quê?
- Não tem problema. Isso tem em
toda cidade.
- Que dia você vem?
- Amanhã mesmo.
- Ó, toma a chave da casa.
E fechou com carinho a mão de Henrique sobre a
chave, despedindo-se.
Assim que a senhora fechou a
porta, Henrique pôde ouvir uma discussão se iniciando entre a tal Dona Odete e
o irmão dela.
Será que havia tomado a decisão
correta?
O Dodô e a Tereza explicaram que
apesar do Totonho ser meio esquisito, realmente não incomodava. E a melhor
parte era o bolo de chocolate da Dona Odete – até a Tereza já tinha
experimentado.
E a Dona Odete ajudava todo mundo,
era um amor de pessoa.
Isso fez Henrique sentir-se mais
confiante, e com a ajuda de seus amigos, mudou com suas coisas para a pensão.
Dona Odete revelou-se uma grande
amiga. E realmente apreciava as artes. Em questão de meses ela tornou-se sua
confidente. Henrique contava a ela sobre suas dúvidas quanto ao futuro,
como ainda se confundia com as ruas aparentemente iguais da cidade, sobre os
seus projetos no teatro.
Dona Odete entusiasmava-se com as
histórias do garoto. E quando Henrique tinha alguma cena nova para apresentar
no Dulcina, lá estava ela, sempre sorridente, dando forças e aplaudindo o jovem
rapaz.
Mimava-o sempre que possível, com mais
um pedaço de bolo, ou uma lembrancinha que trazia da rua. Uma vez até comprou
uma camisa nova para ele!
E às vezes, Henrique ficava duro. Mas
Dona Odete emprestava algum dinheiro, ou dava um desconto no aluguel, dizendo
que ele a pagava em outra oportunidade. E quando ele tentava pagar de volta, fazia
que nem se lembrava, e recusava as notas que Henrique lhe estendia. Dizia que
estava investindo em um novo artista.
E Henrique, que perdera a mãe tão
cedo, sentia em Dona Odete quase que uma mãe adotiva, naquela cidade ainda tão
nova e estranha para ele.
De vez em quando, Henrique ainda
cruzava com a presença parda do Totonho na pensão. Mas não trocava palavras com
ele, apesar do olhar sempre enviesado daquele senhor. Parecia reprovar algo em
Henrique. Era incômodo, mas Henrique seguia seu caminho, fingindo não se
importar.
Um noite, após voltar da faculdade,
Henrique revelou a Dona Odete que tinham-no chamado para um teste no dia
seguinte, para entrar em um grupo de teatro em São Paulo. Era de um famoso diretor que estava na capital federal. Imagina, ele, em São Paulo!
Mas Dona Odete olhou para ele com
um sorriso triste. E ficou com os olhos marejados.
Henrique abraçou aquela senhora. Nunca
esqueceria o que ela fizera por ele. E Dona Odete o abraçou de volta, com
grande carinho.
O teste era na Asa Norte, na manhã
do dia seguinte, bem cedo. Henrique ligou para Dodô para irem juntos. Ele
e Tereza se comprometeram a dar uma carona ao rapaz no carro dela, assim que
saíssem de sua casa.
Mas no outro dia, na mesa do café,
Henrique ainda estava preocupado. Nenhuma mensagem ainda. E nada do Dodô e da
Tereza aparecerem.
- Por que não liga para eles? –
disse Dona Odete.
- Eu estou tentando, mas eles não
atendem. Já mandei mensagem também.
- Mas que confusão... Você não tem
nem o endereço?
- Não. Só lembrei da carona. Já tava tão seguro disso que esqueci de perguntar. Só
sei que é um espaço novo, lá no fim da Asa Norte.
- Olha, meu querido... – e ela foi
abrindo a bolsa – Pega esses trocados. Toma um táxi, que já tá quase na hora.
No caminho, você vai ligando para o seu amigo, para saber o endereço.
- Nossa, nem sei o que dizer, Dona
Odete!
Henrique pegou o dinheiro, e foram
correndo para a porta. Novamente viu o Totonho na sala, assistindo a TV e
bebendo uma latinha de cerveja. Mas não tinha tempo para se preocupar com ele.
- Boa sorte, querido!
E Dona Odete deu-lhe um abraço
carinhoso e apertado!
E quando o táxi passou por baixo
do viaduto acima da W3, entrando na Asa Norte, Henrique decidiu ligar mais uma
vez para o Dodô.
Mas quando colocou a mão no
bolso... Onde estava o celular? Pediu para o táxi parar, começaram a procurar
debaixo do banco do carro, devia ter caído por lá... Nada!
O taxista perguntou a que altura ficava
o teatro, mas Henrique não sabia dizer. Só sabia que era no final da Asa.
O táxi ficou rodando ali na altura da 16... Passou
nas 200, 400... Depois passou debaixo do Eixão... Foram até as 900, e então
subiram pela W5 até o CEUB... Nem sinal do lugar! E a hora passando.
Já passava quase meia hora do horário marcado para o teste quando Henrique por fim desistiu, e pediu para voltar.
Na pensão, procurou o celular em
cima da mesa da cozinha. Era o último lugar onde o havia visto. Perguntou a
Dona Odete se ela havia encontrado algo. Ela disse que nada.
- Liga pra ele. Vai que ficou no
táxi mesmo, e você não achou?
E quando ligaram do telefone fixo
da pensão... Ouviram um toque de celular lá em cima, nos quartos.
O toque vinha de dentro do armário,
no quarto de Henrique. Ele começou a abrir as gavetas... E finalmente descobriu
o aparelho em uma delas... No meio das coisas do Erismar, que
dividia o quarto com ele!
Assim que o Erismar voltou à pensão,
Henrique perguntou o que tinha acontecido. Erismar dizia que não sabia de nada.
Naquela manhã fora à cozinha tomar o café, e tinha ido direto ao trabalho.
Mas Dona Odete não se convenceu. Viu
Erismar tomar o café logo depois de Henrique sair. E ninguém mais dera notícia
do celular depois disso.
Ficou claro para todos que Erismar
passara pela cozinha, havia descoberto o celular sobre a mesa, e escondera o
aparelho.
Dona Odete ficou decepcionada com
aquele jovem. Não era à toa que de vez em quando ela sentia falta de alguma
coisa na casa. E Erismar foi obrigado a abandonar a pensão no mesmo dia.
Henrique
também cobrou de Dodô e Tereza explicações. Eles disseram que haviam acordado
tarde, mas que assim que saíram foram correndo até a pensão, ligando o tempo
todo no celular para o amigo. Mas ninguém atendia. Se Henrique não tivesse
deixado o celular na pensão...
Com pena de Henrique, Dona Odete
permitiu que ele ficasse com o quarto todo, somente pagando o mesmo de antes,
pelo menos até acharem um novo morador.
E os cuidados de Dona Odete se redobraram.
Uma noite, quando estava muito frio, ela colocou um cobertor sobre Henrique,
que estava dormindo. Ele acordou, e ela disse para ele ficar tranquilo, ela só
não queria que ele pegasse uma friagem. Deu-lhe um beijo na testa de boa noite,
cobriu-o com as cobertas e fechou a porta.
A partir de então, este se tornou
um ritual entre eles, repetido todas as noites.
Uma vez, enquanto conversavam no
quarto de Henrique, com ele já deitado na cama, e Dona Odete sentada ao seu
lado, ela colocou uma mão sobre a dele com delicadeza. E começou a acariciá-la.
Olhou nos olhos de Henrique com um profundo carinho. E o garoto ficou emocionado.
Mais uma vez lembrou-se de sua mãe já falecida.
Henrique sentiu que a relação de confiança entre eles aprofundava-se
cada vez mais.
O que não mudou foi a inconveniência
do Totonho na pensão.
Uma vez Henrique saía apressado
para o trabalho, quando o Totonho, sempre assistindo TV na sala, o interpelou:
- Você precisa tomar mais cuidado
com as suas coisas. Tem muita gente que mexe nas coisas dos outros aqui.
- Só o Erismar. Mas a Dona Odete
já tirou ele da pensão.
- Só o Erismar? Eu já falei, meu
filho. Aqui só tem gente que não presta.
E deu um trago no cigarro,
apagando-o no cinzeiro ao seu lado. Olhando novamente para o rapaz com ar de
reprovação.
Enquanto saía, Henrique pensava
que o Totonho sim, é que podia sair daquela pensão. Não gostava nem um pouco
nele, sempre cheirando a bebida e cigarro.
Mas lembrando-se do celular, uma
dúvida restava em sua cabeça. Se o Erismar queria roubar o celular, porque não
desligou o aparelho?
E a Dona Odete? Não tinha ouvido o
aparelho tocando, enquanto o Dodô tentava ligar para Henrique?
Mas não teve coragem de perguntar
isso para aquela senhora. Com certeza no dia estava ocupada cuidando da casa, e não conseguiu ouvir o celular. Tinha
medo de magoá-la. E afinal, já estava tudo resolvido.
Na volta do trabalho, Henrique já
estava chegando perto da pensão, quando viu Totonho, de repente, sair pela porta
da frente.
Estava levando o lixo para fora
de casa, quando parou para olhar uma coisa naquele saco preto de plástico. Estaria
vazando?
- Ei, Henrique, venha aqui ver uma
coisa.
Um tanto receoso, o rapaz chegou perto de
Totonho. Este apontava para um rasgo no plástico.
- Olha isso.
Ele abriu um pouco mais o rasgo,
deixando evidente a ponta de um papel.
Totonho retirou o papel dali com
cuidado. Era um envelope com uma carta. E estava aberto. Totonho leu o que estava escrito no
envelope com atenção.
- Menino, acho que isso aqui é
seu.
E Henrique, ainda estranhando tudo
aquilo, pegou o envelope em suas mãos.
E não pôde acreditar.
O envelope vinha em seu nome. Era
de uma rede de televisão do Rio de Janeiro.
Quando abriu a carta, uma
surpresa. Era um convite para um teste!
Mas o que aquela carta estava
fazendo no lixo? Com o envelope aberto?
- Eu não sei de nada. Pergunta
para a Odete.
Ela estava varrendo a sala quando Henrique
entrou com a carta nas mãos, seguido mais atrás por Totonho.
- Dona Odete, o que quer dizer
isso? - e mostrou-lhe o papel.
E para surpresa dos dois, Totonho
interveio.
- Vamos, irmã. Abre o jogo. Fala logo! Aconteceu de
novo, não foi?
Ela largou a vassoura de lado, e
sentou-se no sofá, já chorando.
- Não foi minha culpa!
E Dona Odete confessou tudo. Apaixonara-se
por Henrique. E tudo que fazia era para não perdê-lo.
Quando Henrique falara a ela do
teste para o grupo de teatro em São Paulo, ela ficou aflita, e decidida a fazer
de tudo para impedir que isso acontecesse.
Por isso, quando abraçou Henrique na porta da pensão, naquela manhã de correria, ela sutilmente retirou o celular de seu bolso. Se o seu
amigo ligasse, Henrique nunca iria descobrir onde era o lugar. Dessa forma, perderia o teste, e não se mudaria para tão longe.
Como tinha planos de conseguir seduzi-lo, ela teve uma nova ideia, e espertamente deixou o celular nas coisas de
Erismar, para acusá-lo e expulsá-lo da pensão. Com isso, Henrique ficaria
sozinho no quarto, facilitando tudo.
Aquela noite fria foi a
oportunidade perfeita para aproximar-se dele. E a cada nova noite tentava ficar
mais perto de seu amor.
Henrique lembrou-se do carinho de
Dona Odete em suas mãos, e sentiu-se enojado.
Ela acreditava que estava quase
conseguindo envolver Henrique. Quando chegou aquela carta de uma rede de TV, desconfiou que
podia ser outro teste. Por isso, colocou o envelope sobre a água quente da chaleira. O
vapor amoleceu a cola, e ela pode abrir o envelope, ler a carta, e confirmar seus temores.
Mas ele precisava entender! Foi o
amor dela que a fez jogar a correspondência no lixo! Não podia se arriscar a perdê-lo!
Dona
Odete levantou-se, e ainda tentou abraçar Henrique, implorando-lhe perdão. Mas
Totonho colocou-se à frente dela, impedindo-a.
Henrique
sentia um misto de raiva e nojo por aquela mulher.
Mas como assim, “aconteceu de
novo”?
-
Conta pra ele, Odete! Acaba com isso de vez! – interveio mais uma vez Totonho.
E
ela revelou que não era viúva, mas sim divorciada. Construíra aquela pensão com
o então marido. Mas o seu casamento não ia bem. E assim que começaram a chegar
aqueles rapazes, dentre eles havia um com que se identificara tanto...
Conversavam muito, e ele era tão lindo... Um dia o marido voltou mais cedo do
trabalho, e encontrou-a na cama com o estudante.
Naturalmente
se separaram. O marido foi morar em outro estado. Desde então, moravam ali só
ela e o irmão, que sem emprego fixo, passou a fazer-lhe companhia.
-
Mas não foi só esse, né, irmã?
E
ela confessou que depois do divórcio, se sentia sempre sozinha... E às vezes se
envolvia com algum dos estudantes. Às vezes dava algum dinheiro em troca de
favores sexuais, outras horas comprava algum presente.
Mas
só se apaixonara novamente por Henrique.
Henrique
estava horrorizado com tudo aquilo. E decidiu sair da pensão imediatamente.
E naquele mesmo dia, enquanto seus amigos colocavam as coisas dele no carro de Tereza, teve coragem
de se aproximar de Totonho.
-
Aquilo... Aquela cena perto do saco de lixo... Não foi um acidente, foi?
-
Eu conheço a minha irmã. Quando eu vi você com ela, eu sabia que não ia
prestar. Quem nem da primeira vez. Eu vi quando ela pegou o seu celular, e levou
lá pra cima no seu quarto. Mas você não ia acreditar se eu dissesse. Então
fiquei esperando ela dar algum deslize. Sou eu quem pega a correspondência.
Quando vi que a carta era pra você, deixei na mão dela, pra ver o que acontecia.
Eu sabia que ela ia jogar fora. Depois que ela saiu, foi só posicionar a carta
direitinho no saco, e abrir um buraquinho. Fiquei olhando pela janela, esperando
você voltar, e saí na rua assim que vi você. O resto você já sabe.
-
E por que você fez isso? Pra me ajudar?
-
Por que eu não presto. Ela não presta também, mas pelo menos eu sou honesto, eu
sei que eu não valho nada. Só que ela fica tirando onda de madame, de amiga dos
outros. E ainda me esnoba.
-
Mas você me ajudou tanto... Pôxa, obrigado. Acho que você presta bem mais do
que você pensa.
E
pela primeira vez apertou a mão de Totonho.
Henrique
foi para o Rio de Janeiro. Passou no teste, e agora faz uma ponta em uma novela
na TV.
E
nunca mais se lembrou de Dona Odete.
Ela que
de vez em quando, quando Henrique aparece na telinha, ainda sente seu coração
bater mais forte. Mas somente até o rapaz novo da pensão voltar da faculdade. Tão
bonito... Tão educado... Conversavam tanto...
Assim
que ele chegar, ela vai pegar mais uma coberta para ele. Afinal, está
tão frio hoje à noite, não? PNC!
"Eu, hein? Eu que não queria trombar com essa figura por aí... Que sinistro!"
Ah, que pena... Acabou mais um conto! Mas daqui a quinze dias tem mais! Beijxs a todxs! Mas antes, não se esqueça... Comentários, críticas e sugestões são sempre bem-vindos!
Continue com a gente, e pire no conto! <3