E na manhã
seguinte, deixaram André com a vizinha, que era dona-de-casa, antes de irem ao
trabalho.
A filha dela, aquela mais velha
que André, não deixou de mexer com o menino:
- Quem sabe a sua irmã-fantasma
agora vai embora? – e dava uma risadinha irônica.
André ficou quieto, calado, o
dia inteiro. Esperando os pais voltarem. Só conversava com Antônio, quando
ninguém estava olhando.
Depois de chegar do trabalho, a
mãe pegou André, e deixou ele desenhando na sacada. O filho estava muito
quieto, mal dizia alguma palavra.
A mãe então ligou para sua irmã,
que morava em Macapá. E conversando um pouco com ela, descobriu que a filha
dela, a Daiana, sua própria sobrinha, estava de férias, e tinha vontade de
conhecer Brasília.
Perguntou se ela não poderia
cuidar do André enquanto se ausentavam. E a sua irmã concordou na hora. Juntavam
o útil e o agradável.
No dia marcado, foram os pais
com André buscar Daiana no aeroporto.
O avião demorou a pousar. O
aeroporto estava sem teto. Era por causa da fumaça, vinda das queimadas em
torno da capital.
Quando ouviu isso, André olhou
para cima. E falou com a mãe:
- Mãe, diz pra eles que o
aeroporto tá com teto, sim!
Mas a mãe não deu atenção.
Estava mais preocupada com Daiana.
Finalmente o avião pousou.
André, curioso, viu surgir na
saída do desembarque uma garota de pele moreno-clara e cabelos crespos. Os
olhos eram meio puxados, e o sorriso grande e gostoso lembrava o da sua avó.
Gostou dela assim que se viram.
Ela largou o carrinho com as
malas, abaixou-se e abraçou André com carinho:
- Oi, priminho! Que bom te
conhecer!
Daiana achou Brasília estranha e
bonita ao mesmo tempo. Aquelas avenidas tão largas, cheias de árvores...
Parecia que estava viajando na estrada, ou margeando uma fazenda. Mas não
parecia que estava em uma grande cidade.
Achou bonitinhos aqueles
furinhos nos prédios. Disseram a ela que se chamava cobogó. Cobogó? Que nome
engraçado.
Perguntou onde eles moravam. Na
411 sul, bloco P. Não entendeu nada. E o nome da rua? Não tinha rua. Que
estranho.
E a tesourinha que fizeram para
chegar em casa? Saíram do Eixão, aquela via compriiiiiiida... E fizeram um
retorno, e outro retorno, passaram debaixo de um viaduto... Ainda bem que não
dirigia, não ia saber andar ali nunca.
Quando chegaram, era um bloco de
três andares. E não tinha elevador. Foram subindo com a mala pesada até o
último andar.
Não disse nada, mas achou o
apartamento um pouco pequeno... Afinal, eles eram os tios ricos que moravam em
Brasília. Ou pelo menos era isso que ela sempre pensara.
Tomaram um café. E durante a conversa,
Daiana se esforçou por elogiar Brasília. E lembrou que queria conhecer a
Chapada dos Veadeiros, tinha ouvido falar muito.
A mãe de André ficou calada, e
um pouco constrangida. E Daiana ficou sem saber o que falar. Havia dito algo de
errado?
E o pai de André explicou para
Daiana que fora naquele parque que acontecera o acidente. Andréia havia
mergulhado em uma cachoeira, batendo a cabeça em uma rocha escondida nas águas.
Daiana pediu desculpas. Sabia da
prima, mas não tinha detalhes do que havia acontecido. Pensou que fora um
acidente de trânsito, ou algo assim.
Mas o pai disse que estava tudo
bem. Já estavam conformados com isso. E continuaram conversando sobre outros
assuntos.
À noite, colocaram um colchonete
entre as camas de Andréia e de André para Daiana se deitar. E ela e André
ficaram conversando.
André queria saber tudo sobre
Daiana!
E ela explicou que Macapá era na
Floresta Amazônica. As árvores lá eram enormes. Não era como no cerrado, onde
elas são pequenas e retorcidas. Às vezes, as matas são tão fechadas, que dentro
delas não entrava a luz, e parecia que era de noite.
André perguntou a Daiana se ela
guardava um segredo. Daiana garantiu que sim. E André explicou que tinha medo
da irmã de noite, e não conseguia dormir. Mas não queria contar para a mãe, com
medo de magoá-la.
Daiana prometeu que não ia dizer
para ninguém.
E pensando em acalmar o menino,
perguntou se ele não queria ouvir uma história.
André, animado com a prima, quis
ouvir.
E Daiana contou-lhe sobre um
menino da floresta, chamado Curupira. Ele só vestia uma tanga, parecia com os
índios, com a pele morena e os olhos puxadinhos. Só havia um detalhe: seus pés
eram virados para trás. Ele protegia os animais da floresta. Então quando os
caçadores vinham, viam as pegadas do Curupira. E tentavam segui-las. Mas em
vão! Pois com as pegadas viradas aos contrário, eles, sem saber, seguiam o
caminho do Curupira de trás para a frente. Não conseguiam encontrá-lo e
acabavam perdidos na floresta.
No entanto, André ficou ainda mais
assustado. Agora com o Curupira.
Mas Daiana garantiu que, além
dos animais, o Curupira protegia também as crianças.
O que não foi consolo para ele.
Então Daiana ficou acordada, fazendo cafuné em André, até ele pegar no sono.
No dia seguinte, Daiana chamou
André para brincar com ela. Ela ensinou ele a soltar pipa, a subir em árvore, a
brincar de bolinha de gude.
Apostaram corrida, brincaram de
pega-pega. Por fim, foram almoçar – a mãe de André deixou comida no freezer, para Daiana descongelar no
micro-ondas. E ela ficava orgulhosa de si mesma, como toda a adolescente fica
quando se vira sem os pais por perto. Era como se a casa fosse dela!
De tarde, apareceram alguns
meninos no campinho, em frente ao bloco. E Daiana sugeriu a André que se
enturmasse com eles.
Mas quando ele chegou, os
meninos viram de novo o urso na sua mão. E foi a gozação de sempre.
Por isso, André foi caminhando
de volta até Daiana. Quando viu ao seu lado uma árvore, um pé-de-jamelão, com
muitas folhas amareladas. Parecia meio velhinho.
E
André ouviu uma voz vinda da árvore:
- Socorro! Me ajude!
André ouviu assustado. E teve
vontade de fugir. Era a árvore que falava com ele?
- Venha! Suba rápido! Socorro!
E com cuidado, André subiu em um
dos galhos. E logo estava no meio da copa. Algumas folhas caíam no chão, lá
embaixo.
E se ele caísse da árvore? André
parou um pouco.
Mas ouviu novamente:
- Aqui, aqui! Nesse buraco!
E viu bem perto um burado no
tronco do pé de jamelão. E um braço acenando lá de dentro.
Puxou com cuidado. E de lá saiu
uma criança, que nem ele. Estava vestido só com uma tanga. O cabelo bem
pretinho e liso. Parecia um índio.
E mais abaixo, para grande
surpresa de André, os pés eram voltados para trás!
“Não se assuste. Meu nome é Curupira.
Estava preso aqui. Muito obrigado por me ajudar! Qual o seu nome?”
“André.”
E o Curupira explicou que fugiu
de um incêndio na mata.
André pensou: “devem ser as queimadas de que a mamãe falava no aeroporto!”
Na fuga, o Curupira acabou naquele campinho, e escondeu-se dos seres
humanos no tronco daquela árvore.
- Que lugar é esse? Tem árvores,
mas as tabas são feitas de pedra...
- É uma cidade. Se chama
Brasília.
- Gostei do nome. Sabe, esse
pé-de-jamelão está muito triste... Ele me disse que está morrendo...
- André! – era Daiana que
chamava ao longe
André se despediu do Curupira. E
desceu rápido da árvore.
- André, o que você estava
fazendo nessa árvore?
- Estava conversando com o
Curupira.
- Curupira?
E deu uma risada. André não entendeu.
- Que imaginação, priminho... E
tome, você esqueceu o ursinho caído aqui no chão.
E no outro dia, enquanto Daiana
estava distraída, André subia na árvore para encontrar seu novo amigo.
O ursinho ficou mais uma vez
caído no chão.
O Curupira revelou que estava
com saudade da floresta.
- Eu também estou com saudade – lamentou André
– saudade da vovó Isabel.
- A rainha Isabel?
André ficou surpreso com o
Curupira. Então a avó era mesmo uma rainha!
O Curupira continuou:
- Ela é muito minha amiga!
- Mas ela morreu...
- Não morreu não! Ela me disse
que foi para o reino dela!
- E onde é esse reino?
- Para entrar é muito fácil. É
só colocar a foto dela na frente de um espelho.
E André correu para casa.
Lembrou-se da foto da avó na sala.
E quando André entrou em casa,
Daiana perguntou:
- Onde você andava, priminho?
- Estava brincando com as outras
crianças, lá embaixo.
- Que bom, André! É sempre legal
ter novos amigos! Eu não falei que você conseguia?
- É sim. – confirmou sério.
E enquanto Daiana preparava um
lanche para os dois na cozinha, André pegou a foto da avó no aparador e foi
correndo para o quarto.
Lá abriu a porta do armário, e
colocou a foto na frente de um espelho grande ali pendurado. E nele apareceu a
avó de André, com uma coroa de pedrinhas azuis na cabeça, combinando com os
brincos.
- Estava esperando você,
netinho! Venha conhecer o meu reino!
E André, com cuidado, pôs um pé,
e depois o outro, dentro do espelho.
E viu na sua frente um palácio
enorme, todo de ouro... Com um jardim todo de rosas.
- Eu adoro rosas, são minhas preferidas!
E colheu uma das flores, que pôs na lapela do
vestido de mesma cor. A rosa começou a mudar, e tornou-se uma flor de tecido,
costurada em seu vestido.
- O meu maior sonho era andar de
balão com você e com a minha neta. Como anda ela?
- Vovó, a Andréia teve um
acidente, depois que a senhora foi pro céu. A mamãe disse que ela está em coma,
e que isso é como se a gente estivesse dormindo para sempre. Mas que de repente
você pode acordar. Quando eu durmo de noite, eu fico com medo da minha irmã
acordar de repente.
- Ô, meu netinho... Como você
está vendo, eu não estou no céu. Só viajei aqui para o meu reino. E a sua
irmã... Ela está dormindo mesmo, que nem a Bela Adormecida. Deve ser porque ela
esqueceu que é uma princesa... Assim como você é um príncipe.
Aproximaram-se de uma mesa.
Sobre ela, havia duas almofadas cor-de-rosa. Cada uma delas com uma coroa. Uma
delas bem pequena. Isabel pegou a menor delas, e colocou sobre a cabeça de
André.
- Aqui – ela disse – agora você
é o meu pequeno príncipe. E essa – continuou, enquanto pegava a outra coroa –
você deve levar para sua irmã. Com certeza, se a Andréia lembrar que é uma
princesa, vai acordar.
-
Que legal, vovó! Vou correndo contar para o Curupira!
- O Curupira? Ora, ora, ele
ainda está naquele tronco de árvore?
- Está sim, vovó!
- Então me avise, assim que você
acordar a Andréia. Precisamos devolvê-lo para a floresta, lá na Amazônia.
E André saiu do espelho.
Aproximou-se de Andréia, na cama, e colocou a coroa sobre a cabeça da irmã.
Mas Andréia não acordou. E André
começou a chorar.
Uma de suas lágrimas caiu sobre
o rosto de Andréia, que de repente abriu os olhos!
Espreguiçou-se bastante, e
depois abraçou o irmão.
- Por quanto tempo dormi? –
perguntou.
Mas André estava com pressa.
Puxou a irmã, e foram até o espelho, onde ele chamou Isabel:
- Vovó!
Que logo saiu de dentro do
espelho. E abraçou Andréia.
- Que saudades!
Virou-se para André:
- Meu netinho, onde você tem alguns balões?
E André lembrou-se dos balões da festa de
aniversário! Com certeza alguns teriam sobrado!
Foi até a sala. Daiana
conversava com a mãe de André no telefone:
- Sim, tia! Está tudo bem! O
André até fez alguns amigos!... Sim, então a senhora vem mais cedo hoje?
André chegou esbaforido:
- Daiana! Daiana!
- Que foi, André? Eu tô
conversando com a sua mãe.
- Onde é que estão os balões?
- Eu não tenho a menor ideia,
André!... – voltou ao telefone – Tia, onde é estão os balões do André? Ah, tá...
Virou-se para o menino.
- Tão ali na gaveta do armário
da TV. Essa primeira – disse apontando – a sua mãe falou que tudo bem em você
brincar com eles.
E André abriu a gaveta. Lá dentro, um monte de
balões azuis estavam em um pacote de plástico.
O garoto foi mostrar o pacote
com os balões para a avó.
- A sua prima vai ficar muito
tempo na sala?
- Por que, vovó?
- Tem muita coisa que gente
adulta não entende. Acho melhor a gente procurar o Curupira sem ela.
E André se lembrou da risada da prima, quando
contou que ele tinha ficado amigo do Curupira.
“Como você tem imaginação, priminho!” – tinha
dito a ele nessa hora. E André concordou com a avó. Os adultos não entendem
nada.
Mas como iam descer sem passar
pela sala?
E Andréia teve uma ideia.
- Ué, vamos fazer que nem a
Rapunzel.
- Mas, Andréia, a Rapunzel tem
tranças.
- E daí? Deixa eu te mostrar...
Enquanto estava dormindo... Olha como o meu cabelo cresceu!
E Andréia desfez o coque que
segurava o seu cabelo. O que revelou um cabelo castanho enorme, que caiu se
desfazendo pelo chão do quarto.
E antes de André e a vovó
descerem pela janela, segurando-se no cabelão de Andréia... Isabel pediu ao
netinho:
- Não esquece de trazer sua pipa! Vou precisar dela!
Depois que os dois chegaram no chão, Andréia prendeu a ponta do cabelo
com um nó no pé da cama, e veio descendo por ele até embaixo, com uma tesoura
na mão. Quando pôs os pés na grama – záááás! – cortou o pedação que ficara
preso. E ainda sobrou bastante para ficar até a cintura.
Foram correndo até campinho. Subiram na copa do pé-de-jamelão com os
balões e a pipa.
Assim que viu Isabel, o Curupira ficou todo feliz:
- Minha rainha...
Mas Isabel foi bem prática.
- Meu querido, vamos devolvê-lo lá pra Floresta Amazônica. Por favor, pergunte
à árvore se ela quer te ajudar.
O Curupira, já adivinhando o plano da Rainha Isabel, perguntou àquela
planta já idosa:
- Pé-de-jamelão, se você quiser
me levar agite a copa duas vezes. Isso é sim. Se não quiser me levar, agite três
vezes. Isso é não.
E ele começou a agitar os
galhos. Uma... duas... e parou!
Então Isabel pendurou vários balões azuis nos
galhos. E deu a pipa para André:
- Faça a pipa voar bem alto!
- Mas não tem vento, vovó!
E então o Curupira deu um sopro
muito, muito forte! E a pipa foi voando, bem alto! E lá em cima, pegou uma
corrente forte de vento!
André amarrou bem forte a linha
em um dos galhos.
E enquanto a pipa puxava... Os
balões começaram a subir.
As raízes foram sendo arrancadas
do chão... Até que toda a árvore
estivesse em pleno ar.
E no meio de todos aquela
arrumação, o ursinho de André ficou no chão, abandonado.
Daiana não conseguia encontrar
André em casa. Então se lembrou do campinho. Desceu as escadas bem rápido. Embaixo
do bloco, começou a procurá-lo. Foi quando viu aquela árvore cheia de balões
azuis subindo no ar.
E admirada, viu André sentado em um galho, ao lado da irmã, de um
indiozinho e uma senhora com uma coroa.
André viu Daiana lá embaixo... E
o carro dos pais chegando. Eles pararam o carro e saíram, e ficaram olhando lá
para cima, boquiabertos com o que viam.
André só lamentava que aquele
balão-árvore não fosse todo azul... Mas o pé-de-jamelão, como se tivesse ouvido
o menino, começou a se azular todo. O fio da pipa também foi ficando azul, até
chegar a ela lá em cima!
E cada vez mais distante, aquele
estranho balão foi se misturando às cores do céu azul anil de julho.
* * *
No dia seguinte, André abandonou
o ursinho. E passou a brincar com as outras crianças na escola.
Depois de um ano, Andréia por
fim morreu. André já estava com sete anos. E pediu aos pais para ir ao enterro.
Antes de voltarem, o menino correu de volta ao túmulo da irmã.
E sobre ele, deixou o desenho da viagem de balão, com ela, a avó, e o
Curupira.
André nunca mais viu Daiana.
Ele permaneceu desenhando, cada vez melhor. E quando adulto, tornou-se um
artista plástico bem conhecido.
E azul continuou a ser a sua cor favorita. PNC!
"Aaaaahhh!!! Acabou!... Mas semana que vem tem mais, leitores! Comente, divulgue, pire! Beijão do Cerrado pra vocês!!! <3"
Felipe, uma sugestão: Use tags para identificar seus contos, isso vai tornar mais fácil encontra-los no sistemas de busca e vai permitir outras opções de organização além da data de publicação.
ResponderExcluirIsso vai ser especialmente interessante quando você quiser abordar novamente um tema ou lidar contos com continuação. Certamente o blogspot tem um opção para incluir tags de texto.
Obrigado, Azul! Vou seguir os seus conselhos! Aliás, gostaria de conhecê-lo(a) melhor, já que você dá sempre boa sugestões. Me escreve no meu e-mail! Vamos trocar umas idéias! ;) felipesilvaberlim@gmail.com
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