Pirei no Conto

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domingo, 19 de julho de 2015

Crônica: Uma História da Carochinha

     




Há quem diga que no Brasil não existe preconceito de raça, que é tudo uma questão social.
Já imaginaram um diálogo, assim, bem sincero, entre alguém que quer alugar um apartamento e os candidatos a inquilino, usando esse argumento?
“Frederico tinha um apartamento para alugar nas quadras 300 do Plano Piloto, um dos locais mais caros de Brasília. E marcou com um rapaz de ver o lugar. Mas o cara que chegou era negro.
O Frederico já pensou logo: "Esse preto tem cara de pobre. Depois me atrasa o aluguel..."
Deram uma olhada no apartamento, que era bom. Marcelo – o nome do rapaz negro – perguntou o preço.
- Então, já está alugado. – respondeu o Frederico, com um sorriso amarelo.
- Puxa, que pena. Não sabia. Tudo bem. Vou ver outro lugar. – respondeu o Marcelo.”
Fim.
Mas peraí. Eu falei que ia rolar um conversa com o argumento da questão social. Que tal reformulamos esse diálogo?
Mas antes que eu faça isso, já perceberam que eu não disse de qual raça era o Frederico?
Não precisa, né? Você, meu caro leitor, já sabia que ele era branco, não é mesmo? 
Se você leu até aqui, você não é racista. Mas já parou para pensar nisso? É automático. A nossa cabeça é colonizada. E nela um homem branco é a regra. Os outros é que são a exceção. Tá tão assustado quanto eu? Pois é...
Mas continuando... Eu disse que ia reformular o diálogo, né? Usando o argumento de que o racismo é uma questão social. Afinal, se isso é um bom argumento, todo mundo devia usar isso no dia-a-dia, não?
Nesse caso, seria assim:
“Frederico..."  - vou dizer que ele é branco, estamos combinados? Afinal, ele podia ser de qualquer outra raça, só para lembrar...
Bom, recomeçando... 
"Frederico, um branco, queria alugar um apartamento nas 300. E o primeiro cara que apareceu para alugar chamava-se Marcelo – e era negro.
Quando o Marcelo quis saber o preço, o Frederico respondeu assim:
- Então, Marcelo... -  falou de forma simpática - Você é negro, não é mesmo?...
- É... Sou. E daí?
- Justo.  - respondeu Frederico, entusiasmado – Você é  jogador de futebol, sambista?...
- Não... Imagina! – respondeu Marcelo constrangido – Eu sou empresário, dono de uma concessionária.
- Ah, tá... Não, cara, ó, pode falar à vontade comigo. Eu entendo. Você morando na periferia, tentando melhorar de vida...
- Eu moro no Lago Sul, cara!
- Ah, tá... Lago Sul... – disse Frederico, sem acreditar - Olha, os seus tataravôs vieram em navios negreiros... Morria mais da metade na viagem, né?... Depois chegaram, moraram em senzalas...
- Onde é que você quer chegar com isso?
- ...e depois da Abolição, foram morar longe, em favela, não tinha trabalho, não tinha dinheiro... Então, você, empresário?...  Morando no Lago Sul? Cara, uma pessoa negra no Brasil... É uma questão social, histórica...
- Não tô entendo...
- Tá, eu sei que você, lá na favela, foi mal alimentado, estudando em escola pública, muita greve de professor... Vai ter dificuldade de entender uma situação histórica, social... Mas eu vou explicar! Olha, veja você: um negro, no Brasil, empresário?... Que carro você tem?
- Um Corolla. Tá estacionado lá embaixo. Beeem caro, sabe? – disse Marcelo, já atravessado.
- Viu?! Um Corolla... Não, não tá certo!!!  Pelo IBGE, era no máximo pra você ter um carro usado, daquelas que tão meio caindo aos pedaços, sabe? Isso se você não viesse de ônibus, que era o mais provável.
- Ah, jura? – o sangue já subindo na cabeça do Marcelo.
- Cara...  Olha, o que é que adianta?...  No mínimo, você tá querendo pagar algo acima do que você pode. No máximo, você falsificou os documentos, e alugou esse terno que você tá vestindo, não é verdade?
- Esse terno eu comprei na Itália!!!
- Marcelinho, Marcelinho... Você quer que eu acredite que você comprou isso no exterior? Olha como tá mal cortado!... Vai dizer que você não comprou na Feira do Rolo da Ceilândia?...
- Cara, eu ia até pagar adiantado... Não to acreditando no que eu tô ouvindo...
- Olha, vamos fazer o seguinte. Pra você não ficar constrangido, digamos... Di-ga-mos!... Que eu já tenha alugado pra outra pessoa.
- Quê?! Você já alugou?!
- Nããão!... Mas olha só, se eu dissesse pra você que eu não quero mais alugar, o que você ia pensar?
- Eu ia pensar que era racismo, né? Óbvio!
- Pois é! Agora, olha bem pra mim! Você acha que eu sou racista?
- ...
- Claro que não, cara! Se você quiser, vamo comer uma feijoada qualquer hora, eu tenho vários amigos negros. Até te mostro a minha coleção de discos do Martinho da Vila!
- Cara, eu nem gosto de samba!!!...  Eu toco violoncelo!!!!
- Marcelo, você tá dificultando as coisas. Vamos fazer assim: eu digo que já aluguei, você vai procurar outro lugar, e continuamos amigos. Tudo bem?
- Como é que é?! Você quer que eu seja seu amigo?!
- Agora estamos conversando... Pô, maravilha, cara! Foi um prazer te conhecer, a gente continua se falando, tá bom? E olha, eu tenho uma mãe-de-santo, que vou te contar... Pode te ajudar muito a encontrar um apartamento, viu? Vou te recomendar, faço questão!
- Mas eu sou ateu!!!!!
- Marcelo, Marcelo... Você tá dificultando de novo!...


E viveram felizes para sempre, em plena democracia racial. PNC!








E esses são só alguns exemplos da nossa democracia racial... Você deve conhecer, outros, caro leitor... Infelizmente.

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