Deixo a porta de casa aberta no fim de tarde. O vento entra pela janela e sai por essa mesma porta, me aliviando do calor.
E pela porta
entra um gato. De quem é o gato? De onde ele veio? Virá de outro andar, escapado
por uma fresta, à revelia e distração de seu dono?
Mas ele nada diz.
Apenas me olha. Com olhos felinos.
Bebo mais uma vez
de minha xícara de chá, sem pensar nele. O dono dará por sua falta, e virá a
ele buscar, sem que eu necessite fazer qualquer esforço.
E olho mais uma
vez para o gato, que me devolve o olhar.
Olho por dentro
daqueles olhos. Aqueles olhos de gato.
E percebo, neste
fim de tarde, em que o sol ainda não se esconde, a luz dura e forte de Brasília
refletindo na parede:
O gato é o mundo.
Me olha com olhos
do mundo. Me observa com olhos do mundo. Me vê. Como a mim o mundo veria.
Olho em seus
olhos, com meu olhar ainda mais profundo.
E o gato a mim se
revela:
O gato sou eu.
E a mim vê ele,
como a mim mesmo vejo a mim.
Vejo olhando em
seus olhos.
Meus olhos, que a
mim me olham, sem me temer.
Me olho me
olhando.
Me vejo vendo.
Me observo me
observando.
Mas o que há para
ver?
Sem perguntas ou
respostas.
Sem pressa ou
distração.
Eu a ele vejo,
ele vê a mim e nos vemos.
E a mim, e ao
mundo, e ao gato. Sem objeto, sem sujeito.
Apenas ver.
Lá fora, as
crianças correm, os carros correm, as motocicletas correm. Os homens, apressados,
continuam caminhando.
Tão ordinário
olhar de mundo, de mim, de gato.
Mas deste momento
de fato, sem futuro, sem passado, sem prólogo, sem final, nem ato:
- Não, não vou me esquecer.
Enquanto tomo de meu chá mais um gole, nesta tarde
em que abri a porta, para deixar da janela o vento correr.
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