Gervásio era um homem
sem imaginação.
Já quando era criança, dona
Gerusa, sua mãe, percebia que Gervásio era diferente das outras crianças. O
primeiro susto foi quando completou um ano de idade. Em vez de dizer “mamãe”, a
primeira palavra de Gervásio foi “não”.
Sua mãe parou de
levá-lo ao parquinho do bairro, pois as outras mães não gostavam de Gervásio.
As crianças saíam do parque chorando quando ele estava perto. Dizia para elas
que não eram astronautas, cavaleiros, ou super-heróis. Pisava em tudo,
espalhava os brinquedos, pois só via areia e plástico sem serventia.
Sua mãe o levou a
vários médicos. Déficit de atenção, autismo, quem sabe algum retardo no
desenvolvimento. Até que um médico chegou por fim a uma conclusão:
- Seu filho é
perfeitamente normal. Ele só não tem imaginação.
Gervásio ia bem no
colégio, como qualquer criança de sua idade. Mas nas aulas de desenho, ele
riscava o papel sem propósito. Às vezes pintava uma folha inteira de uma cor
só. A professora tentava dar uma forcinha:
- Que lindo pôr do sol
você fez aqui, Gervásio!
- Não, é só uma folha
de papel pintada de vermelho.
Foi assim até chegar ao
Ensino Médio. Ele ia bem em Física, Química, Matemática. Mesmo em História e
Geografia ele ia bem. Em Português, adorava Análise Sintática. O problema era a
aula de redação. Gervásio entregava sempre uma folha em branco. A professora
conversou com Gerusa na reunião de pais:
- Algum problema em
casa?
- Nenhum. O Gervásio só
não tem imaginação.
Quando Gervásio foi
prestar o vestibular, Gerusa sugeriu que seu filho fizesse matemática, pois
acreditava que a falta de imaginação não ia ser um problema. Ledo engano. Gervásio fez o curso até o fim,
com ótimas notas. Só precisava fazer o trabalho final para pegar o diploma. Mas
desapontou. Gervásio tinha uma ótima memória, mas não a imaginação para
encontrar um assunto, ou criar uma solução nova para um problema antigo.
Gervásio era uma rua sem saída, e nunca conseguiu se formar.
Gervásio conseguiu um
emprego numa firma. Porém nunca saiu do mesmo trabalho. Era muito eficiente,
mas nas primeiras reuniões, sempre que perguntado, não sabia o que dizer para
aumentar as vendas. Logo começaram a não mais chamá-lo. E enquanto seus colegas
angariavam novas posições, Gervásio continuava na mesma mesa, em seu trabalho
organizado e metódico.
Gervásio não tinha uma
música favorita, não lia romances, não tinha namoradas. Seus gostos se resumiam
àquilo que lia nas revistas ou ao que as pessoas lhe diziam que era bom.
Gervásio não tinha time
de futebol, nem discutia sobre política. Ia à missa por que diziam que era
importante ter uma religião. Mas ali se sentava, sem ouvir o que o padre dizia,
repetia o que escutava e no final dizia “amém”.
Nunca foi a uma
passeata, não era a favor nem contra a revolução de costumes. Só gostava de
algo quando todos já concordavam com ela.
Nunca amou. Mas também
nunca odiou ninguém. Pagava todos os seus impostos, era um bom cidadão. Quando
os militares vieram, Gervásio aceitou que a revolução viera para salvar a
pátria, pois todos a apoiavam. Concordou com o combate aos terroristas, e que a
tortura era necessária, pois todos assim pensavam. E quando a ditadura acabou,
Gervásio repetia o que todos diziam, que a ditadura era algo muito, muito errado,
e que a democracia era a solução.
Foi da direita, porque
todos eram. Votou nos populistas, porque todos votaram, e quis o impeachment,
porque todos queriam. Votou na esquerda quando todos, por fim desapontados, diziam
que a esquerda era a solução, mas não sabia se era contra ou a favor dos
programas sociais, porque nem todos gostavam. Sempre com a maioria, Gervásio era
a favor do direito das mulheres quando todos já eram, e contra um beijo gay na
televisão, já que todos se enojavam. Mas dava bom dia para o casal de homens
vizinho do seu apartamento, já que todos também davam bom dia.
Um belo dia, Gervásio
se foi. Gervásio já estava velhinho. O casal gay foi no seu enterro. Pobre
Gervásio. As nuvens, nas quais nunca vira castelos, encobriam o cemitério neste
dia. Jogaram algumas rosas em seu túmulo. As mesmas rosas que Gervásio nunca
oferecera a alguém, pois via nelas somente flores, e não paixões.
Voltando para casa, o
casal se perguntava se alguma vez Gervásio havia vivido.
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