Pirei no Conto

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segunda-feira, 13 de abril de 2015

Nega do Cabelo Mole




 
Mariana queria alisar o cabelo.
Todas as meninas do colégio alisavam. Mas Alice, a mãe, não deixava.
E na hora do almoço...
- Pra quê, minha filha? Você é bonita assim!
- Mas, mãe, todo mundo faz! Por que eu não?
E lá vinha o sermão da mãe.
Primeiro que era o cabelo dela. A vovó tinha alisado o cabelo de Alice a vida toda. E ela nem sabia que cabelo que tinha. Só foi conhecer como era o próprio cabelo, natural, adulta.
E os produtos para alisar estragam o cabelo! O pessoal põe até formol! Tem gente que perde o cabelo e queima a cabeça! Era o que queria pra ela?
Antigamente, no tempo da vovó, até ferro de passar usavam para alisar! Para quê esse sofrimento? Era tão bom ser negra...
Mariana foi para o quarto emburrada. O que a mãe dizia não aceitava.
Pensou na Carol. Era negra, que nem ela. Mas a mãe dela deixava.
Ligou para a Carol:
- Você vai no cinema?
- Vou. Mas antes vou com a mamãe no cabeleireiro.
- Ah... tá... Posso ir com vocês?
- Sua mãe deixa ir no salão?
- Deixa não... Mas eu não vou contar pra ela...
- Você vai alisar o cabelo?
- Não!!! Senão minha mãe me mata!
Alice ia bater na porta, chamar a garota de onze anos para comer uma sobremesa. E por acaso ouviu a conversa com a Carol, a famosa “melhor amiga” da filha. E deu um sorrisinho de lado.
“Mato nada...” – pensou.
Deu duas batidas na porta.
“Sorvete de chocolate, minha filha! Com calda de morango!”
“Carol, depois eu falo com você!”
Desligou e abriu a porta correndo. Adorava sorvete.
Alice deixou a filha sair com a Carol para o cinema.
Fingiu que não tinha ouvido a parte sobre o salão. Ai de Mariana se alisasse...
Matar, não matava... Mas a orelha da filha ia ficar vermelha de tanto sermão...
Quando Mariana chegou no cabeleireiro, olharam para ela na hora.
- Vamos alisar?
Mariana olhou ressabiada. Uma parte dela tinha vontade de ir. Outra tinha medo da mãe. E outra ainda ficava chateada.
Ah, que insistência! Não podia ir no salão que já perguntavam isso...
A mãe da Carol chamou a filha:
- Vem cá, neguinha! Vamo retocar essa progressiva!
No cinema encontraram o resto da turma.
O Bruninho e a irmã dele, a Carla. E mais um garoto que elas não conheciam.
O Bruninho tinha um olho bem preto, e o cabelo assim escuro e liso... a pele do rosto, muito branca, era toda cheia de sardas. A Carla era loirinha.
O menino novo se chamava Alexandre. Mas todo mundo chamava de Alex. Ele era branquinho também. Loiro de olho azul. E tinha chegado há pouco tempo na cidade.
Foram assistir o filme novo da Cinderela.
E depois, foram comer um lanche no Giraffa’s.
Durante o lanche, começaram a brincar com a Carla. A Cinderela parecia muito com ela!
Mariana ficou meio preocupada. O menino novo dava atenção demais para a Carla.
- Por que só ela pode ser a Cinderela? Eu também não posso ser?
- Não tem como, né? – falou sem graça o Bruno.
- E por quê? – desafiou Mariana.
Bruno não quis responder. Mas o Alex era respondão como Mariana:
- Por que você tem o cabelo duro!
- E quem disse que o meu cabelo é duro? Quer experimentar?
E Alex passou a mão na cabeça de Mariana.
- Nossa... parece um algodão, só que é bem mais macio. E é levinho...
- Viu? É até mais gostoso...
Carla ficou enciumada.
- Ah, mas o meu cabelo é gostoso, também...
E passou uma ponta da trança no nariz de Mariana, fazendo cócegas!
Mariana começou a rir da traquinagem. E junto começou a rir a turma toda!
A mãe da Carol pegou a turma de carro no Park Shopping.
E quando era hora do Alex descer do carro, em frente à casa dele... Ele apertou a mão de Mariana bem de leve, e deu uma piscadinha sorrindo!
O coração de Mariana bateu tão forte que quase saiu pela boca! Por essa ela não esperava!
E contou no ouvido da Carol o que tinha acontecido! Carol começou a rir com a amiga!
- O que vocês tanto riem aí atrás? – chamou a atenção a mãe da Carol.
E Mariana encontrou Alex outras vezes na escola. Primeiro ficavam se olhando de longe na hora do recreio.
Até que um dia Alex teve coragem de falar com ela.
- Você quer que eu pague um bombom pra você?
E comprou para ela um Sonho de Valsa, cujo papel de embrulho foi parar dentro do diário de Mariana...
No dia seguinte, foram dar um volta na hora do recreio. E Alex pegou na mão dela, que Mariana segurou de volta.
E atrás de uma coluna, onde ninguém podia ver, Alex e Mariana deram o primeiro beijo nos lábios.
Como não sabiam beijar (só tinham visto em novela) esfregaram muito os lábios, sem saber o que fazer. Acabou sendo pouco mais que um selinho.
Mas para os dois foi um momento inesquecível.
Como os dois eram respondões, formaram uma dupla do barulho!
- Como você lava o cabelo? – disse uma menina uma vez para Mariana.
Alex ficou vermelhinho.
Mariana botou a mão na cintura:
- Se você não lava o seu cabelo, não sou eu que vou ensinar!
- Ai, que grossa...
- Grossa é sua língua, porque não corta metade?
E olhava para Alex com olhar de quem diz:  “é assim que se faz!”
De outra, a secretária do colégio chamou Mariana na classe:
- Eu precisava falar com aquela morena...
- Morena, não! – respondeu Mariana – eu sou negra!
Com isso ela ganhava o respeito e admiração de Alex. E ele aprendia muito com ela.
Por isso Alex não entendia porque Mariana queria alisar o cabelo.
- Você é tão bonita assim.
- Mas é que eu quero ficar parecida com a Beyoncé!
- Mas por quê?
- Por que eu amo a Beyoncé!
Realmente, no quarto de Mariana tinha um pôster enorme da cantora... ela era a capa de todos os cadernos da escola.
E no diário de Mariana – Psiu! Não espalha, viu, leitor? – vários recortes da Beyoncé dividiam as páginas com frases de amor para Alex...
Por fim, quando Mariana ia completar doze anos... fez a mãe prometer que ia alisar o cabelo dela. Já estava ficando uma mocinha!
No dia marcado, ela foi com a mãe para o salão. Era o dia de Mariana! E Alex foi junto, para dar aquela força.
Mas assim que Mariana se sentou na cadeira, para alisar as madeixas... ouve uma outra mãe, com o cabelo pintado de vermelho, cochichar alto para a filha adolescente ao lado:
- Tá vendo, filha? Não te falei? O negro é que tem preconceito dele mesmo... aquela ali tá alisando o cabelo. E quem é que tá segurando a mão dela? Um namorado loiro... é pra limpar a raça!
E as duas davam uma risadinha.
O olho de Mariana encheu de lágrima. Mas se segurou para não chorar.
Alice, a mãe de Mariana, em geral era uma pessoa calma. Mas calma tem limite!
Alice chegou perto das duas, e perguntou alto, com os braços cruzados:
- O que vocês estão falando da minha filha?
E a senhora de cabelos vermelhos respondeu:
- Eu?! Não disse nada!!! Tava só fazendo uma brincadeira! Você não tem senso de humor?
Alice continuou séria, com os braços cruzados. Encarando aquela figura!
A senhora, se achando no direito, se levantou:
- Você deve ser uma daquelas barraqueiras... O que foi, está me chamando de racista?
O salão inteiro virou-se para Alice. Quem era ela para chamar de racista aquela cliente antiga?
Alice ia começar a discussão. Era coisa de família. Pagava um boi para não entrar numa discussão. Mas uma boiada para não sair.
É... Mariana tinha a quem puxar.
Por isso, foi Mariana mesmo quem resolveu a situação.
Saiu da cadeira e apontou o dedo para a senhora:
- Foi a senhora que me chamou de racista. E eu gosto de ser negra. Só queria ficar parecia com a Beyoncé, por que eu amo ela!
E chamou a mãe:
- Vamos embora mamãe. Eu não aliso mais o cabelo. Gosto dele assim! Me desculpe a Beyoncé!
E enquanto Mariana saía andando, pisando duro, Alice corria atrás da filha. Mas não sem antes virar para aquela senhora tonta e dizer:
- E quer saber?... O seu cabelo acaju é uma...
E soltou um palavrão bem cabeludo. Daqueles que só com muita raiva para soltar.
E Mariana continuou com o cabelão.
Os tolos que cruzam o caminho dela dizem de tudo do seu cabelo. Que é sarará, pixaim, que é sujo, que é duro...
Mas Mariana não está nem aí. O importante é ela mesma.
Com a mãe, já visitou até Moçambique! O Alex foi também! E teve orgulho das vestes tão bonitas das mulheres, das tranças nos cabelos... como eram bonitas!
E fez a coisa mais importante que alguém pode fazer com a própria vida...
Foi feliz!

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