Mariana queria
alisar o cabelo.
Todas as meninas
do colégio alisavam. Mas Alice, a mãe, não deixava.
E na hora do almoço...
- Pra quê, minha
filha? Você é bonita assim!
- Mas, mãe, todo
mundo faz! Por que eu não?
E lá vinha o
sermão da mãe.
Primeiro que era
o cabelo dela. A vovó tinha alisado o cabelo de Alice a vida toda. E ela nem
sabia que cabelo que tinha. Só foi conhecer como era o próprio cabelo, natural,
adulta.
E os produtos
para alisar estragam o cabelo! O pessoal põe até formol! Tem gente que perde o
cabelo e queima a cabeça! Era o que queria pra ela?
Antigamente, no
tempo da vovó, até ferro de passar usavam para alisar! Para quê esse
sofrimento? Era tão bom ser negra...
Mariana foi para
o quarto emburrada. O que a mãe dizia não aceitava.
Pensou na Carol.
Era negra, que nem ela. Mas a mãe dela deixava.
Ligou para a
Carol:
- Você vai no
cinema?
- Vou. Mas antes
vou com a mamãe no cabeleireiro.
- Ah... tá...
Posso ir com vocês?
- Sua mãe deixa
ir no salão?
- Deixa não...
Mas eu não vou contar pra ela...
- Você vai
alisar o cabelo?
- Não!!! Senão
minha mãe me mata!
Alice ia bater
na porta, chamar a garota de onze anos para comer uma sobremesa. E por acaso
ouviu a conversa com a Carol, a famosa “melhor amiga” da filha. E deu um
sorrisinho de lado.
“Mato nada...” –
pensou.
Deu duas batidas
na porta.
“Sorvete de
chocolate, minha filha! Com calda de morango!”
“Carol, depois
eu falo com você!”
Desligou e abriu
a porta correndo. Adorava sorvete.
Alice deixou a
filha sair com a Carol para o cinema.
Fingiu que não
tinha ouvido a parte sobre o salão. Ai de Mariana se alisasse...
Matar, não
matava... Mas a orelha da filha ia ficar vermelha de tanto sermão...
Quando Mariana
chegou no cabeleireiro, olharam para ela na hora.
- Vamos alisar?
Mariana olhou
ressabiada. Uma parte dela tinha vontade de ir. Outra tinha medo da mãe. E
outra ainda ficava chateada.
Ah, que
insistência! Não podia ir no salão que já perguntavam isso...
A mãe da Carol
chamou a filha:
- Vem cá,
neguinha! Vamo retocar essa progressiva!
No cinema
encontraram o resto da turma.
O Bruninho e a
irmã dele, a Carla. E mais um garoto que elas não conheciam.
O Bruninho tinha
um olho bem preto, e o cabelo assim escuro e liso... a pele do rosto, muito
branca, era toda cheia de sardas. A Carla era loirinha.
O menino novo se
chamava Alexandre. Mas todo mundo chamava de Alex. Ele era branquinho também.
Loiro de olho azul. E tinha chegado há pouco tempo na cidade.
Foram assistir o
filme novo da Cinderela.
E depois, foram
comer um lanche no Giraffa’s.
Durante o
lanche, começaram a brincar com a Carla. A Cinderela parecia muito com ela!
Mariana ficou
meio preocupada. O menino novo dava atenção demais para a Carla.
- Por que só ela
pode ser a Cinderela? Eu também não posso ser?
- Não tem como,
né? – falou sem graça o Bruno.
- E por quê? –
desafiou Mariana.
Bruno não quis
responder. Mas o Alex era respondão como Mariana:
- Por que você
tem o cabelo duro!
- E quem disse
que o meu cabelo é duro? Quer experimentar?
E Alex passou a
mão na cabeça de Mariana.
- Nossa...
parece um algodão, só que é bem mais macio. E é levinho...
- Viu? É até
mais gostoso...
Carla ficou
enciumada.
- Ah, mas o meu
cabelo é gostoso, também...
E passou uma
ponta da trança no nariz de Mariana, fazendo cócegas!
Mariana começou
a rir da traquinagem. E junto começou a rir a turma toda!
A mãe da Carol
pegou a turma de carro no Park Shopping.
E quando era
hora do Alex descer do carro, em frente à casa dele... Ele apertou a mão de
Mariana bem de leve, e deu uma piscadinha sorrindo!
O coração de
Mariana bateu tão forte que quase saiu pela boca! Por essa ela não esperava!
E contou no
ouvido da Carol o que tinha acontecido! Carol começou a rir com a amiga!
- O que vocês
tanto riem aí atrás? – chamou a atenção a mãe da Carol.
E Mariana
encontrou Alex outras vezes na escola. Primeiro ficavam se olhando de longe na
hora do recreio.
Até que um dia
Alex teve coragem de falar com ela.
- Você quer que
eu pague um bombom pra você?
E comprou para
ela um Sonho de Valsa, cujo papel de embrulho foi parar dentro do diário de
Mariana...
No dia seguinte,
foram dar um volta na hora do recreio. E Alex pegou na mão dela, que Mariana
segurou de volta.
E atrás de uma
coluna, onde ninguém podia ver, Alex e Mariana deram o primeiro beijo nos
lábios.
Como não sabiam
beijar (só tinham visto em novela) esfregaram muito os lábios, sem saber o que
fazer. Acabou sendo pouco mais que um selinho.
Mas para os dois
foi um momento inesquecível.
Como os dois
eram respondões, formaram uma dupla do barulho!
- Como você lava
o cabelo? – disse uma menina uma vez para Mariana.
Alex ficou
vermelhinho.
Mariana botou a
mão na cintura:
- Se você não lava
o seu cabelo, não sou eu que vou ensinar!
- Ai, que
grossa...
- Grossa é sua
língua, porque não corta metade?
E olhava para
Alex com olhar de quem diz: “é assim que
se faz!”
De outra, a secretária
do colégio chamou Mariana na classe:
- Eu precisava
falar com aquela morena...
- Morena, não! –
respondeu Mariana – eu sou negra!
Com isso ela
ganhava o respeito e admiração de Alex. E ele aprendia muito com ela.
Por isso Alex
não entendia porque Mariana queria alisar o cabelo.
- Você é tão
bonita assim.
- Mas é que eu
quero ficar parecida com a Beyoncé!
- Mas por quê?
- Por que eu amo
a Beyoncé!
Realmente, no
quarto de Mariana tinha um pôster enorme da cantora... ela era a capa de todos
os cadernos da escola.
E no diário de
Mariana – Psiu! Não espalha, viu, leitor? – vários recortes da Beyoncé dividiam
as páginas com frases de amor para Alex...
Por fim, quando
Mariana ia completar doze anos... fez a mãe prometer que ia alisar o cabelo
dela. Já estava ficando uma mocinha!
No dia marcado,
ela foi com a mãe para o salão. Era o dia de Mariana! E Alex foi junto, para
dar aquela força.
Mas assim que
Mariana se sentou na cadeira, para alisar as madeixas... ouve uma outra mãe,
com o cabelo pintado de vermelho, cochichar alto para a filha adolescente ao
lado:
- Tá vendo,
filha? Não te falei? O negro é que tem preconceito dele mesmo... aquela ali tá
alisando o cabelo. E quem é que tá segurando a mão dela? Um namorado loiro... é
pra limpar a raça!
E as duas davam
uma risadinha.
O olho de
Mariana encheu de lágrima. Mas se segurou para não chorar.
Alice, a mãe de
Mariana, em geral era uma pessoa calma. Mas calma tem limite!
Alice chegou
perto das duas, e perguntou alto, com os braços cruzados:
- O que vocês
estão falando da minha filha?
E a senhora de cabelos vermelhos respondeu:
E a senhora de cabelos vermelhos respondeu:
- Eu?! Não disse
nada!!! Tava só fazendo uma brincadeira! Você não tem senso de humor?
Alice continuou séria, com os braços cruzados. Encarando aquela figura!
Alice continuou séria, com os braços cruzados. Encarando aquela figura!
A senhora, se achando no direito, se levantou:
- Você deve ser
uma daquelas barraqueiras... O que foi, está me chamando de racista?
O salão inteiro
virou-se para Alice. Quem era ela para chamar de racista aquela cliente antiga?
Alice ia começar
a discussão. Era coisa de família. Pagava um boi para não entrar numa
discussão. Mas uma boiada para não sair.
É... Mariana
tinha a quem puxar.
Por isso, foi
Mariana mesmo quem resolveu a situação.
Saiu da cadeira
e apontou o dedo para a senhora:
- Foi a senhora
que me chamou de racista. E eu gosto de ser negra. Só queria ficar parecia com
a Beyoncé, por que eu amo ela!
E chamou a mãe:
- Vamos embora
mamãe. Eu não aliso mais o cabelo. Gosto dele assim! Me desculpe a Beyoncé!
E enquanto
Mariana saía andando, pisando duro, Alice corria atrás da filha. Mas não sem antes
virar para aquela senhora tonta e dizer:
- E quer
saber?... O seu cabelo acaju é uma...
E soltou um
palavrão bem cabeludo. Daqueles que só com muita raiva para soltar.
E Mariana
continuou com o cabelão.
Os tolos que
cruzam o caminho dela dizem de tudo do seu cabelo. Que é sarará, pixaim, que é
sujo, que é duro...
Mas Mariana não
está nem aí. O importante é ela mesma.
Com a mãe, já
visitou até Moçambique! O Alex foi também! E teve orgulho das vestes tão
bonitas das mulheres, das tranças nos cabelos... como eram bonitas!
E fez a coisa
mais importante que alguém pode fazer com a própria vida...
Foi feliz!
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