Grassavam os
anos cinquenta.
Arlene, nos seus 18 aninhos,
acabava de chegar do interior de Santa Catarina para a cidade grande. Mas teve
sorte: conseguiu um trabalho de caixa em um mercadinho, perto da pensão onde
morava.
Aqueles
olhos verdes de ascendência alemã chamaram a atenção no novo emprego. O que não
faltava era paquera chata na fila do caixa.
-
Não sabia que o bombom agora ficava aqui...
-
Esqueci a goiabada, mas achei o queijo do meu Romeu e Julieta!
- Com esse doce-de-leite, até
esqueço da dieta!
Mas Arlene, que podia ser bonita,
mas era também bem espertinha, logo
aprendeu a se defender:
- Pé-de-moça tá em falta, mas tapa
na cara tá sobrando.
- Se você for na seção de legumes,
já, já eu acho algum que resolve o seu problema.
Então foi com algum susto que um
fotógrafo descobriu aquela beldade - um tanto indomada - no mercadinho do bairro. Quase leva um tapa ao
convidá-la para uma sessão de fotos. Era para uma campanha de publicidade.
Arlene não gostou muito. Era moça
direita. Que história de sessão de fotos era essa? Mas eis que as colegas da
pensão queriam lhe fazer a cabeça:
- Vai que você fica famosa?
E Arlene era tudo, mas não era
boba. Pensou logo foi no dinheiro. Quem sabe um mês de pensão paga? Adiantava
alguma coisa. E se convenceu.
No dia das fotos, viu aquela fila
de modelos esperando a vez. Quase foi embora! Por certo não tinha chance! Mas
antes que pudesse se levantar, o fotógrafo chamou seu nome.
O figurino era o mesmo para todas
as modelos. Um vestido rendado, um sapatinho preto com meia alta, o cabelo
preso em um coque e, muito estranho, tinha que segurar um balde d’água na
cabeça.
Ficou linda! Perfeita! Parecia uma
camponesa alemã!
E foi dessa forma que Arlene se
tornou, nada mais, nada menos, do que a garota da lata do Leite Moça.
As donas de casa ficaram logo
afoitas com aquele novo produto. Leite condensado! Na latinha! Tão prático!
Mas algumas, mais carolas, se
enciumavam um tanto daquela moça solteira no rótulo.
Já os homens ficavam doidinhos.
Aquela moça, naquele vestidinho, com ar de ingênua...
Era um verdadeiro fetiche.
Começaram a chover cartas para a
Nestlé. Até proposta de casamento pintou para Arlene!
Ela começou a se sentir incomodada.
Era moça de família. Ali, exposta, solteira...
Até a mãe de Arlene escreveu à
filha. Dizia que na sua casa não entrava mais leite condensado. Ora, onde já se
viu?...
Mas Arlene, tão jovem, já era bem
independente.
Depois de algum tempo de flerte, à
moda antiga, começou a namorar o fotógrafo que a descobriu, cujo nome era
Homero.
Os tempos estavam mudando. No
rádio, começava a tocar a Jovem Guarda, e Roberto Carlos dirigia um carro
vermelho sem espelho para se pentear.
E Arlene, em um arroubo de
modernidade, foi morar junto com Homero. Só ela e seu amor, sem papel passado,
segundo suas próprias regras.
Sua mãe reprovou, claro. Mas
Arlene rompeu com ela e foi viver o seu amor.
Por fim, Homero arranjou um novo
trabalho para Arlene. A publicidade precisava de uma nova imagem, para a mulher
moderna e dona da própria vida que despontava.
Arlene pintou o cabelo, fez um
corte assim com uma franjinha, vestiu um pulôver.
E foi a escolhida para ser a
garota dos palitos Gina.
Os palitos Gina iam muito além de
palitar os dentes. Eram o típico produto para a nova mulher.
Auxiliavam-na no seu happy-hour
com os colegas de trabalho. Na hora de convidar a turma do fim-de-semana para
uma pizza. Ou para ajudar a colocar a azeitona na bebida do seu amor à beira de
uma lareira.
Esta era a mulher de Gina!
Muito feliz, Arlene continuou seu
trabalho por muitos anos. Foi mãe de família em lata de cereal, esportista em
caixa de leite, e em um momento de necessidade, foi o rótulo da aguardente
Chora Rita.
Este último trabalho na verdade
lhe abriu portas. Com quase quarenta anos, já estava perdendo um pouco da
beleza que lhe fizera a fama. Mas tinha a mesma personalidade marcante de
antes.
Além disso, naquela época o país
já tinha saído da liberação de costumes e caído no puro desbunde, ao som da
discoteca.
E Arlene virou mais uma vez a
mulher do momento, no rótulo da Catuaba Selvagem.
Aquela imagem de rainha bárbara
colocou Arlene outra vez no centro das atenções.
Mas de repente, Arlene sentiu-se
mal. Não tinha ido um pouco longe demais? Subido a cabeça? Ver agora a sua
imagem em qualquer bar, à mão de qualquer boêmio...
E no auge, Arlene abandonou tudo,
e deixou Homero. Voltou para o interior de Santa Catarina. Virou evangélica e
casou-se com um bom partido: um gerente do Banco do Brasil.
Agora, após tantos anos, Arlene já
está velhinha. Hoje em dia tem uma vida tranquila, com filhos e netos. E aposentou-se
do glamour de outrora.
Às vezes bate uma saudade. E Arlene,
escondida, compra uma lata de Leite Moça na esquina. E no quarto, sozinha, olha
horas a fio, a suspirar por aquela garota tão cheia de vida.
Mas observa com carinho uma de suas
netinhas, a Carolina. Está seguindo os passos da avó. Pois, quem diria, tão criança e já posou para a foto da família na tampa de margarina.