Pirei no Conto

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quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Os Burocratas





O dia iniciou com a reunião para dar as boas vindas à nova diretoria. Os funcionários daquele órgão público esperavam várias mudanças no rumo daquele lugar.
No discurso de posse, os novos diretores, um a um, explicavam com grande segurança e um discurso empolgado as metas a serem alcançadas, e o caminho para a rapidez e a eficácia.
Davam exemplos: seis meses para licitar! Atraso nas entregas! Computadores obsoletos! Absurdo! Absurdo!
Destacavam o uso do dinheiro público, e o objetivo maior da administração pública: servir eficientemente a todos os cidadãos daquele país.
E garantiam que, com mão de ferro, fariam aquele órgão entrar nos eixos.
No dia seguinte, assim que os primeiros funcionários chegaram ao trabalho souberam da primeira grande medida: mudar o nome das áreas da empresa. Coordenação era agora divisão. Gerência tinha virado Direção. E Diretoria, superintendência. 
Foi uma enorme confusão. O que entregar a quem? Quem era o quê? As pessoas ficavam a esmo no corredor, sem saber o que fazer.
Os novos diretores, agora superintendentes, termo bem mais adequado para aquela dinâmica liderança, garantiram que a confusão inicial era provisória. Para fazer uma omelete, há que serem quebrados alguns ovos. A organização anterior não estava de acordo com as técnicas mais avançadas: estavam ajeitando a casa. E prometeram aos mais afoitos que logo, logo, todos teriam o novo organograma.
Mas passados vários meses, apesar da confusão, todos se acostumaram a saber quem trabalhava no que, e a necessidade de um organograma acabou esquecida.
De vez em quando alguém se confundia, e indagava: e o organograma? Mas tanto havia a ser realizado, que logo voltava a suas tarefas. O que mais podia fazer?
Logo se seguiram a esta outras medidas. Os documentos, antes só assinados pelos chefes diretos, agora precisavam ser assinados pelo chefe do chefe, e pelo chefe deste último. Novos carimbos foram criados, para controle dos memorandos e despachos. A redação dos documentos mudava quase toda semana, conforme cada nova opinião dos superintendentes.
Novos cargos foram criados, mais assinaturas eram necessárias nos papéis. E o tamanho dos documentos se multiplicava. Às vezes havia mais assinatura e autorização no papel do que texto.
Tudo pelo controle! Pela eficiência! Pela eficácia! Bradavam alegres os superintendentes.
E as licitações, que demoravam seis meses, passaram a levar um ano. Antes compravam equipamentos que, por culpa dos atrasos, eram entregues já obsoletos. Mas agora nem eram comprados mais, de tantos requisitos e ritos a cumprir. Os computadores, impressoras, scanners e afins, quebravam, e não eram mais substituídos.
E os pedidos, as requisições, os projetos, eram cada vez mais detalhados, esmerados, controlados, numerados, carimbados, assinados. Cada memorando, cada ofício... dava gosto! Levavam horas e horas se esmerando em um pedido, nem que fosse para comprar um galão de água, ou uma caixa de lápis.
Ah, mas o que são essas coisas mundanas? Um lápis é útil para escrever, a água mata a sede de quem trabalha. Mas um despacho... era uma perfeição. Uma vez anexado a um processo, e o processo sendo arquivado, duraria para sempre, pelas próximas gerações!
E nas reuniões com os funcionários, os superintendentes orgulhavam-se, e apontavam números que demonstravam o crescimento, os melhoramentos, passando a limpo aquele lugar.
Uma noite, o superintendente -chefe sonhou com aquele órgão. Mas que sonho encantador! Os funcionários vestidos de monges, isolados em suas celas de mosteiro, copiando com pena e tinteiro cada documento, cada relatório. Eram escritos com caligrafia cuidadosa em pergaminhos imaculados. Além de escrever, desenhavam iluminuras, e passavam ali, no mesmo documento, aperfeiçoando e enfeitando, dias e dias sem mais poder.
Eram verdadeiras obras de arte.
Mas no mesmo sonho, mirando pela janela do mosteiro lá fora, nas ruas o povo sofria, sem ninguém a olhar por eles, em um país estagnado, que retornava à Idade Média.

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2 comentários:

  1. Bem legal, por mostrar como essa vida de escritório pode nos deixar alheios à realidade. Às vezes penso se esse alheiamento não é ainda mais perigoso que a corrupção. Imagino que isso devia ser ainda mais forte na Bsb de antigamente, quando não haviam manifestações e a cidade era mais vazia e algo asséptica.

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  2. Penso da mesma forma, Azul. Concordo que essa alienação é tão perigosa quanto a corrupção. Faço minhas as suas palavras! No que tange a Brasília, acho que esse excesso de burocracia vem de bem antes, vinda com os portugueses nas caravelas. Brasília não tem culpa de uma cultura burocrática bem ao gosto do brasileiro. Mais uma vez, muito obrigado pela leitura atenciosa. Um grande abraço, e continue acompanhando a gente!

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