O dia iniciou
com a reunião para dar as boas vindas à nova diretoria. Os funcionários daquele
órgão público esperavam várias mudanças no rumo daquele lugar.
No discurso de
posse, os novos diretores, um a um, explicavam com grande segurança e um
discurso empolgado as metas a serem alcançadas, e o caminho para a rapidez e a
eficácia.
Davam exemplos:
seis meses para licitar! Atraso nas entregas! Computadores obsoletos! Absurdo!
Absurdo!
Destacavam o uso
do dinheiro público, e o objetivo maior da administração pública: servir
eficientemente a todos os cidadãos daquele país.
E garantiam que,
com mão de ferro, fariam aquele órgão entrar nos eixos.
No dia seguinte,
assim que os primeiros funcionários chegaram ao trabalho souberam da primeira grande
medida: mudar o nome das áreas da empresa. Coordenação era agora divisão.
Gerência tinha virado Direção. E Diretoria, superintendência.
Foi uma enorme
confusão. O que entregar a quem? Quem era o quê? As pessoas ficavam a esmo no
corredor, sem saber o que fazer.
Os novos
diretores, agora superintendentes, termo bem mais adequado para aquela dinâmica
liderança, garantiram que a confusão inicial era provisória. Para fazer uma
omelete, há que serem quebrados alguns ovos. A organização anterior não estava
de acordo com as técnicas mais avançadas: estavam ajeitando a casa. E prometeram
aos mais afoitos que logo, logo, todos teriam o novo organograma.
Mas passados
vários meses, apesar da confusão, todos se acostumaram a saber quem trabalhava
no que, e a necessidade de um organograma acabou esquecida.
De vez em quando
alguém se confundia, e indagava: e o organograma? Mas tanto havia a ser
realizado, que logo voltava a suas tarefas. O que mais podia fazer?
Logo se seguiram
a esta outras medidas. Os documentos, antes só assinados pelos chefes diretos,
agora precisavam ser assinados pelo chefe do chefe, e pelo chefe deste último.
Novos carimbos foram criados, para controle dos memorandos e despachos. A
redação dos documentos mudava quase toda semana, conforme cada nova opinião dos
superintendentes.
Novos cargos
foram criados, mais assinaturas eram necessárias nos papéis. E o tamanho dos
documentos se multiplicava. Às vezes havia mais assinatura e autorização no
papel do que texto.
Tudo pelo
controle! Pela eficiência! Pela eficácia! Bradavam alegres os superintendentes.
E as licitações,
que demoravam seis meses, passaram a levar um ano. Antes compravam equipamentos
que, por culpa dos atrasos, eram entregues já obsoletos. Mas agora nem eram comprados
mais, de tantos requisitos e ritos a cumprir. Os computadores, impressoras,
scanners e afins, quebravam, e não eram mais substituídos.
E os pedidos, as
requisições, os projetos, eram cada vez mais detalhados, esmerados,
controlados, numerados, carimbados, assinados. Cada memorando, cada ofício...
dava gosto! Levavam horas e horas se esmerando em um pedido, nem que fosse para
comprar um galão de água, ou uma caixa de lápis.
Ah, mas o que
são essas coisas mundanas? Um lápis é útil para escrever, a água mata a sede de
quem trabalha. Mas um despacho... era uma perfeição. Uma vez anexado a um
processo, e o processo sendo arquivado, duraria para sempre, pelas próximas
gerações!
E nas reuniões com
os funcionários, os superintendentes orgulhavam-se, e apontavam números que
demonstravam o crescimento, os melhoramentos, passando a limpo aquele lugar.
Uma noite, o
superintendente -chefe sonhou com aquele órgão. Mas que sonho encantador! Os
funcionários vestidos de monges, isolados em suas celas de mosteiro, copiando
com pena e tinteiro cada documento, cada relatório. Eram escritos com
caligrafia cuidadosa em pergaminhos imaculados. Além de escrever, desenhavam
iluminuras, e passavam ali, no mesmo documento, aperfeiçoando e enfeitando,
dias e dias sem mais poder.
Eram verdadeiras
obras de arte.
Mas no mesmo
sonho, mirando pela janela do mosteiro lá fora, nas ruas o povo sofria, sem
ninguém a olhar por eles, em um país estagnado, que retornava à Idade Média.
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Bem legal, por mostrar como essa vida de escritório pode nos deixar alheios à realidade. Às vezes penso se esse alheiamento não é ainda mais perigoso que a corrupção. Imagino que isso devia ser ainda mais forte na Bsb de antigamente, quando não haviam manifestações e a cidade era mais vazia e algo asséptica.
ResponderExcluirPenso da mesma forma, Azul. Concordo que essa alienação é tão perigosa quanto a corrupção. Faço minhas as suas palavras! No que tange a Brasília, acho que esse excesso de burocracia vem de bem antes, vinda com os portugueses nas caravelas. Brasília não tem culpa de uma cultura burocrática bem ao gosto do brasileiro. Mais uma vez, muito obrigado pela leitura atenciosa. Um grande abraço, e continue acompanhando a gente!
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