Veridiana caminhava na vereda poeirenta. A saia amarela esvoaçava ao vento, como chamas na fogueira, o coração ardia e insuflava de luz o sorriso luminoso de dentes tortos. O cabelo comprido, negro e crespo, balançava com os passos grandes, apoiados em pés descalços e sujos. Os olhos castanhos, circundados por sobrancelha escura e espessa, procuravam à frente o rio onde lavaria as roupas, presas em uma trouxa debaixo do braço, enquanto as mulheres à beira do rio exclamavam, a voz baixa entre si:
- Lá vem a quenga.
E se afastavam para
perto de outra pedra, deixando as mãos grandes e fortes de Veridiana espalharem
as roupas sobre a areia do rio, sozinha. Bicho selvagem.
Os tropeiros
atravessavam o rio no lombo dos jegues, com suas histórias de mortes e de
sertões desconhecidos, as roupas rotas e avermelhadas da terra do chão dos
Goiás. À frente, o mais destemido: o Caolho. Firme, chamavam-no Caolho Gelado,
pois era como comandava. Sua voz grave, baixa, inalterada, enviava os homens
para a morte matada, a morte do sangue, ao embrenho daqueles sertões que
riscavam as pernas e os braços com os espinhos, enquanto carregavam nas mãos,
oleosas de suor, ou a fortuna de diamantes e esmeraldas, ou o ganho de novos
escravos índios para as estâncias no caminho.
Caolho desceu do jegue,
e aproximou-se de Veridiana.
- Mulher, que rancho é
esse?
Veridiana não levantou.
- Não tem nome, não
senhor. Na falta de nome, chamam rancho da Maria Farinha, que bem é dona do
lugar.
- Ousadia! Levanta,
mulher!
Veridiana levantou-se,
a camisa avermelhada descobriu um ombro cor de jambo.
- É escrava?
- Sou sim, senhor.
Trabalho na casa de Maria Farinha.
Os tropeiros se riram.
- Eu calo essa macheza
de vosmecês...
Calarem-se, cabeça
baixa. Caolho segurou-a pelo queixo.
- Vosmecê saiba que não
quero mulher... Mulher desaforada...
Silêncio. Caolho matava
sem dar sinal.
Olhou fundo nos olhos
de Veridiana. O corpo de Veridiana quente debaixo do sol. Sentiu sua mão,
sempre fria, molhar-se. Tirou-a logo, como se encostasse em brasa.
- Vosmecê sabe quem é
Maria Farinha? O que ela faz?
- Sei sim, sinhô.
O olhar de Caolho fundo
no olho de Veridiana, pedaço afiado de gelo que penetra lento em carne suave.
Veridiana teve medo. Mas sentiu no coração apressado a vida aventurosa de um
homem macho, do arbusto de espinho que nasce na terra mais seca.
- Desabestada.
Caolho sentiu a pele fria
suar – virou-se rápido para os homens.
- Vamo logo! Que quero
ter mais com aquela velha.
E subiram o chão de
terra até o rancho, os casebres mais acima.
“É louca”, diriam as
mulheres mais tarde.
A lua entrava pela
janela do quarto de Veridiana. Filha de um tropeiro com uma índia, fora vendida
nova pelo pai para Maria Farinha. A virgindade trocada por um porco. Desde
então, à noite fechava os olhos, no coração já não sentia nada. Ao contrário da luz do dia, que a alimentava
como água na raiz de uma planta. Maria Farinha a tratava bem, dava vestido,
vistoso, para fazer saliva na boca de qualquer homem que viesse das Gerais.
Preparava-se à luz das
velas. Logo saía para fazer a graça dos tropeiros.
Ouviu alguém batendo à
porta. Era Sinhá Farinha apressando.
- Estou pronta, Sinhá!
Mas a porta abriu-se,
Maria Sinhá ao fundo. À frente dela, o Caolho em pessoa.
Caolho fechou a porta.
Naquele homem, feito de gelo, no arbusto espinhoso e endurecido do coração, a primeira
chuva começava a cair na terra, e o arbusto amolecia sob o peso das águas,
brotando o verde de seus galhos enrijecidos.
Caolho se punha sobre
Veridiana, sentia a própria pele gelada molhar-se. O corpo e o coração de
Veridiana avermelhavam-se como uma fogueira, os lençóis queimando e iluminando
o quarto. O corpo rijo de Caolho desmanchava-se sobre o de Veridiana, primeiro
um riacho, depois um rio, e então uma tempestade. O vento forte fazia bater a
janela, e a luz dos trovões inundava o quarto.
Por muito tempo, no
rancho de Maria Farinha, comentava-se a história do incêndio no quarto de
Veridiana, sob a tempestade mais forte da região. A casa de Maria Farinha fora
destruída, e sob as cinzas nunca foram encontrados os corpos dos dois amantes.
Alguns diziam que
Caolho se vingara de uma dívida que Maria Farinha tinha com ele, botando fogo
no quarto e fugindo na tempestade com a escrava que mais dava lucro a ela.
Outros diziam que o
fogo de Veridiana derretera Caolho Gelado, formando a tempestade, e fazendo a
casa vir abaixo sob as chamas. Pois sobre os escombros, na seca mais
inclemente, encontraram não os arbustos espinhosos e sem folhas de praxe, mas
uma flor do cerrado, vermelha e delicada, no chão de pó vermelho dos Goiás.
Que belo Conto...
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