Um dia Sandra estava experimentando um vestido no
ateliê de um famoso costureiro.
Estava um pouco nervosa. Aquele poodle do estilista
não parava de latir...
Seu belo rosto se contorcia de desgosto.
Era modelo. Muito bonita, igual a outras. E desconhecida, igual à
maioria.
Mas seu destino estava para mudar.
Enquanto o estilista cortava o vestido no corpo de
Sandra, com uma tesoura grande e amolada...
De repente, Sandra deu um grito!
Levantou a mão, estava sangrando. E faltava o dedo do
meio. Fora decepado pela tesoura!
Procuraram o dedo, afoitos. Estava na boca daquele
maldito poodle.
Correram atrás dele, mas ele foi mais rápido: pulou
pela janela, e fugiu rua afora!
Sandra foi para o hospital. Já o cachorrinho, só
acharam no dia seguinte. Estava com a boca cheia de terra e olhar satisfeito.
Com certeza enterrara o dedo, como se fosse um mero ossinho. O dedo estava
definitivamente perdido.
O estilista deu a carreira de Sandra por encerrada. E
não a queria mais no desfile. Sandra ficou apavorada.
Mas o desespero é o pai das melhores ideias.
Sandra sussurrou algo para o estilista, enquanto
mostrava o toco do dedo com um curativo.
O estilista pensou um pouco, e meneou com a cabeça com
um “sim”.
No dia do desfile, Sandra não apareceu entre as
modelos. Estava reservada para o grande final.
E quando entrou, fez uma careta mostrando a língua. Botou
uma mão na cintura, e fez um gesto obsceno com a outra. Mostrando o dedo do
meio decepado...
Muitas fotos, o que era aquilo? Ela cortara o dedo
para o desfile?
No dia seguinte, nos jornais e nas fofocas em geral, a
grande dúvida – arte, exibicionismo, atitude ou loucura? Da modelo que cortara
um dedo, antes de entrar na passarela...
Fizera aquilo para passar uma mensagem sobre a nova
coleção?
O estilista apressou-se em dizer que não. Fora ideia
dela. E ele não tinha nada a ver com isso.
Mas aquela modelo, até então desconhecida, foi chamada
para dar entrevista na TV. Todos queriam saber: o que é que se passava? Ela
queria aparecer, ou era autoflagelação?
E Sandra explicou, tristemente, que sofrera um
acidente. E por isso queriam que não desfilasse mais... Mas ela era forte,
aquilo não seria um obstáculo. Afinal, nos dias de hoje, o importante era ter...
atitude.
E corajosa, fez o mesmo gesto obsceno com as mãos,
apontando para a câmera. Fazia aquela careta de pouco caso, que as modelos
sabem fazer. No meio da mão, o dedo cortado pela metade.
Sucesso tremendo. Todos se comoveram com a história de
superação.
E convites surgiram. Para a Ilha de Caras. Para festas
com cachê pago – somente uma horinha de presença, e nada mais. Para representar
linhas de joias, maquiagens, grifes e afins.
Por fim, Sandra resolveu se casar. Tudo muito
romântico. E bem caro. Casou-se patrocinada por uma marca de perfumes.
Em vez de alianças, seu noivo resolveu cortar um dedo,
como mostra de carinho.
Muitas fotos. E polêmica. Alguns ficaram contra,
outros a favor. E ainda alguns outros exageraram, para demonstrar a Sandra o
seu amor.
Tatuagens, piercings... por que não cortar um dedo?
E isso virou moda.
Na TV, os psicólogos alertavam: nada de fazer em casa.
Nos tatoos, agora nisso também especializados, instrumentos esterilizados. E
para os pais, o aviso. O importante era o diálogo.
Mas alguns começaram a exagerar, virou uma obsessão.
Muitos cortavam mais de um dedo nas mãos. Outros, até os dedos dos pés
cortavam.
Surgiram clínicas especiais para esses casos. Na hora
do almoço, colheres de plástico. Instrumentos cortantes ali eram proibidos. Se
bem que até quebrando as colheres, e afiando a ponta, eles e elas tentavam
outro dedo cortar...
Mas tudo isso, depois de meses, começou a cair no
esquecimento... E o nome de Sandra passou a ser só uma lembrança, uma modinha
bem estranha, para nunca mais voltar.
Mas Sandra, percebendo o movimento, preparou o seu
retorno.
E em um desfile em homenagem a Van Gogh, com os
vestidos todos cheios de girassóis, surgiu Sandra no final.
Ela virou um dos lados do rosto para as câmeras. Uma surpresa.
Como Van Gogh, Sandra cortara uma das orelhas.
E a plateia aplaudiu, em celebração. Era a glória.
Nenhum comentário:
Postar um comentário