Pirei no Conto

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segunda-feira, 16 de março de 2015

A Isca da Vaidade

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Um dia Sandra estava experimentando um vestido no ateliê de um famoso costureiro.

Estava um pouco nervosa. Aquele poodle do estilista não parava de latir...

Seu belo rosto se contorcia de desgosto.

Era modelo. Muito bonita,  igual a outras. E desconhecida, igual à maioria.

Mas seu destino estava para mudar.

Enquanto o estilista cortava o vestido no corpo de Sandra, com uma tesoura grande e amolada...

De repente, Sandra deu um grito!

Levantou a mão, estava sangrando. E faltava o dedo do meio. Fora decepado pela tesoura!

Procuraram o dedo, afoitos. Estava na boca daquele maldito poodle.

Correram atrás dele, mas ele foi mais rápido: pulou pela janela, e fugiu rua afora!

Sandra foi para o hospital. Já o cachorrinho, só acharam no dia seguinte. Estava com a boca cheia de terra e olhar satisfeito. Com certeza enterrara o dedo, como se fosse um mero ossinho. O dedo estava definitivamente perdido.

O estilista deu a carreira de Sandra por encerrada. E não a queria mais no desfile. Sandra ficou apavorada.

Mas o desespero é o pai das melhores ideias.

Sandra sussurrou algo para o estilista, enquanto mostrava o toco do dedo com um curativo.

O estilista pensou um pouco, e meneou com a cabeça com um “sim”.

No dia do desfile, Sandra não apareceu entre as modelos. Estava reservada para o grande final.

E quando entrou, fez uma careta mostrando a língua. Botou uma mão na cintura, e fez um gesto obsceno com a outra. Mostrando o dedo do meio decepado...

Muitas fotos, o que era aquilo? Ela cortara o dedo para o desfile?

No dia seguinte, nos jornais e nas fofocas em geral, a grande dúvida – arte, exibicionismo, atitude ou loucura? Da modelo que cortara um dedo, antes de entrar na passarela...

Fizera aquilo para passar uma mensagem sobre a nova coleção?

O estilista apressou-se em dizer que não. Fora ideia dela. E ele não tinha nada a ver com isso.

Mas aquela modelo, até então desconhecida, foi chamada para dar entrevista na TV. Todos queriam saber: o que é que se passava? Ela queria aparecer, ou era autoflagelação?

E Sandra explicou, tristemente, que sofrera um acidente. E por isso queriam que não desfilasse mais... Mas ela era forte, aquilo não seria um obstáculo. Afinal, nos dias de hoje, o importante era ter...  atitude.

E corajosa, fez o mesmo gesto obsceno com as mãos, apontando para a câmera. Fazia aquela careta de pouco caso, que as modelos sabem fazer. No meio da mão, o dedo cortado pela metade.

Sucesso tremendo. Todos se comoveram com a história de superação.  

E convites surgiram. Para a Ilha de Caras. Para festas com cachê pago – somente uma horinha de presença, e nada mais. Para representar linhas de joias, maquiagens, grifes e afins.

Por fim, Sandra resolveu se casar. Tudo muito romântico. E bem caro. Casou-se patrocinada por uma marca de perfumes.

Em vez de alianças, seu noivo resolveu cortar um dedo, como mostra de carinho.

Muitas fotos. E polêmica. Alguns ficaram contra, outros a favor. E ainda alguns outros exageraram, para demonstrar a Sandra o seu amor.

Tatuagens, piercings... por que não cortar um dedo?

E isso virou moda.

Na TV, os psicólogos alertavam: nada de fazer em casa. Nos tatoos, agora nisso também especializados, instrumentos esterilizados. E para os pais, o aviso. O importante era o diálogo.

Mas alguns começaram a exagerar, virou uma obsessão. Muitos cortavam mais de um dedo nas mãos. Outros, até os dedos dos pés cortavam.

Surgiram clínicas especiais para esses casos. Na hora do almoço, colheres de plástico. Instrumentos cortantes ali eram proibidos. Se bem que até quebrando as colheres, e afiando a ponta, eles e elas tentavam outro dedo cortar...

Mas tudo isso, depois de meses, começou a cair no esquecimento... E o nome de Sandra passou a ser só uma lembrança, uma modinha bem estranha, para nunca mais voltar.

Mas Sandra, percebendo o movimento, preparou o seu retorno.

E em um desfile em homenagem a Van Gogh, com os vestidos todos cheios de girassóis, surgiu Sandra no final.

Ela virou um dos lados do rosto para as câmeras. Uma surpresa.

Como Van Gogh, Sandra cortara uma das orelhas.

E a plateia aplaudiu, em celebração. Era a glória.



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